Como Nasce uma Escola

 Por Inês Lombardi, fundadora do Gandiva Yoga Ashram

Eu abri as portas do Gandiva em 11 de março de 2003. Um lugar lindo, abençoado pela simplicidade, onde saímos fora dos conceitos limitadores de tempo e espaço.

É recente?

Não sei…veja o que você acha.

Comecei a praticar Raja e Hatha Yoga aos 16 anos, com Yogakrishnanda, em SP. Isso foi no início de 70 (que época, meu Deus…). Ao mesmo tempo eu me tornáva adepta da Macrobiótica do venerável Mestre Kikuchi.

Nossa iniciação era uma jornada fabulosa. Junto com a prática de Raja, Yogakrishnanda nos abria o Universo dos ensinamentos de Mme Blavatski, Gurdjieff, Annie Besant, Dr Leadbether, Krishnamurti e Vedanta. Tudo com muito humor. E mágica, literalmente. A isso tudo eu juntáva, por iniciativa própria, cursos de Astrologia Rosa-Cruz (Dr Max Heindel, fantástico), e leituras e meditações da Bhagavad_Gita. Eu amava Krishna. Aliás, naquela época o movimento Hare Krishna estava desembarcando em SP. Todos amávamos Krishna… e uma pessoinha muito especial chamada George Harrison. Por essa época, tive a alegria de conhecer o Prof. Hermógenes

Aos 18 anos saí de casa e aos 19 estava morando em Minas Gerais, terra materna.Continuei praticando, e estudei música em BH, na FEA, onde tive a honra de conhecer 2 pessoas que me marcariam profundamente: a pianista e empreendedora Berenice Menegale, exemplo de rigor ético, uma consumada karma-yogini. E o genial Marco Antonio Guimarães, um iniciado, criador do grupo Uakti.

Tive meus 2 primeiros filhos, Thiago, hoje designer e Luana, hoje violoncelista. Voltamos para SP em 81, e tive minha terceira filha, uma menina autista, que veio me provar que eu jamais deveria largar os estudos e a prática. Passei a estudar Antroposofia, ciência espiritual criada por Rudolf Steiner, um caminho terapêutico-espiritual bastante coerente, que forneceu todo o suporte necessário ao desenvolvimento e integração da Maria, minha filha, com a família e o mundo.

Aí começaram as árvores: eu tinha plantado árvores de fruta na chácara onde morávamos. Quando elas começaram a dar frutos, mudamos novamente. Voltamos para Minas, onde moramos algum tempo numa comunidade da Antroposofia. Me formei em Pedagogia Antroposófica (Primeiro Sepapa) e criei um Jardim da Infância Antroposófico (Waldorf) em Campos do Jordão. Promovi diversos cursos e eventos na escola. Me especializei na leitura do simbolismo dos desenhos infantis e na terapêutica do Desenho de Formas Arquetípicas.

Eu já tinha plantado as árvores, e assim que começaram a dar frutos…mudamos para Curitiba!
Foi em Curitiba que eu comecei a dar aulas de Yoga para crianças especiais, junto com o Desenho de Formas Arquetípicas. É algo que amo fazer. Só então resolvi fazer Formação em Yoga, já que eu estava ensinando outros. Me formei primeiramente pela Aypar. Grande Monserrat!
Mas eu ainda procurava algo…uma dinâmica na prática, uma fluência entre movimento e respiração que trouxesse plena quietude, saúde, vigor, um estado de alegria pulsante e livre. Eu não sabia que isso tinha um nome: VINYASA!

como nasce uma escola
Então, na alvorada do III Milênio, conheci as pessoas que iriam transformar totalmente o meu sadhana, que trariam a consistência que eu tanto procurei, que me fizeram cessar de ser buscadora para ser peregrina: a Laura Packer e o Pedro Kupfer. De brinde vieram nada mais nada menos do que Glória Ariera, Camila Reitz, Clayton Horton, Gustavo Ponce, Marco Schultz, Jorge Knack, Nazaré Cavalcanti, e muitas outras preciosidades. E finalmente, a Honra e alegria de fazer a jornada de 3 anos com o Kausthub Desikachar, neto do venerável Krishnamacharya, mestre de todas as minhas práticas.

Fiz a Formação em Ashtanga Vinyasa Yoga com a Karin Heuser, Caroline Aguiar, Maurício Wolff, Gopalla e outros.

E nisso tudo, a necessidade de ter um espaço onde pudesse ser compartilhado com as pessoas a dádiva do Yoga de Krishnamacharya, que não havia em Curitiba. Que houvessem estudos de Vedanta e práticas de Bhakti Yoga.

Pesquisando e tocando música indiana, por essa época eu já tinha promovido alguns eventos trazendo para Curitiba pessoas como o Prof. Koellreutter e a cantora indiana Ratnabali Adhikari. Havia a necessidade de que esse espaço abrigasse também estudos e práticas de Mantras e música da Índia.

O Gandiva já existia em germe.

Criar uma escola não é alugar um prédio e contratar professores. Existe toda uma preparação amorosa, existe o Sankalpa, e os fundamentos éticos. É preciso que flua harmônico como a música das esferas. Então, no meio de 2002, o lugar apareceu.

Estava coberto de mato e limo, mas eu vi um buquê de “Sempre-Vivas” lá no canteiro da horta. Colhí, levei pra casa, orei e meditei. Foram 3 meses de negociações exaustivas e 1 mês de reformas. Então, larguei todos os lugares onde eu dava aulas, menos a Chamatrina, que eu amo, e coloquei no Gandiva Ashram todo meu amor e energia.

Comecei sozinha. Tenho bem claro a ética do trabalho. Eu sabia que se chamasse professores de outras escolas, isso poderia enfraquecer a estrutura da outra escola, e consequentemente, todos se enfraqueceriam. Além do mais teria que ser da linha de Krishnamacharya e/ou Bhakti. Yoga é para fortalecer e unir, com propósito e proposta. E a proposta do Gandiva Ashram é: poder ver além do limite do olhar, poder ouvir o som sem som; um centro de disseminação do conhecimento, onde as pessoas se nutram de força, coragem e amor, para serem úteis e equilibradas na sucessão de tempo que se faz agora. Um centro fundamentado nos ensinamentos de Krishna para Arjuna, quando ele coloca o arco Gandiva de lado e expõe seus temores ao Amado Mestre. E também um centro onde pudesse divulgar o Ashtanga Vinyasa Yoga e o Yoga na Tradição de Krishnamacharya.

A primeira pessoa que eu chamei foi o Goura Nataraj, jovem Bhakta, pessoa muito especial, no início para direcionar as práticas de Mantra que aconteciam ao entardecer, e para dar cursos de Sânscrito.
O Goura e o Zunga, hoje Brahmarsi Das, são os responsáveis por um dos eventos mais especiais que acontecem no Gandiva, que é a leitura na íntegra, com música e em sânscrito, da Cancão do Senhor, a Bhagavad-Gita.

Krishna diz, no Srimad Bhagavatam:
“Eu não vivo nos reinos eternos do Vaikuntha, ou no coração dos jnana yogis.Eu vou aonde os devotos cantam minhas glórias.”

Veio o Krucis, personagem itinerante do Gandiva, excelente sitarista, discípulo de Aashish Khan, direcionar o estudo de música clássica da Índia, junto com a Christiane Ceron, de SP, graciosa dançarina Odissi, e o querido Padre Joaquim, que abençoou o lugar com o que mais precisamos neste momento histórico: amor, força e coragem. Convidei um colega meu de curso de formação, o Luciano Ferrarini, que estava estudando Yogaterapia Integrativa com o Joseph e a Lilian LePage. Luciano ficou algum tempo com a gente.

Por aí eu estáva com 3 turmas de Ashtanga Vinyasa Yoga e 3 de Yoga na tradição de Krishnamacharya.
Finalizamos o ano com um Satsanga muito forte e simbólico, onde eu convidei a Radharani para integrar o corpo do Gandiva dando aulas de Raja Yoga. Por uma série de motivos ela não pôde vir.
Em janeiro do ano seguinte, recebi uma ligação de um professor de Power of Yoga, discípulo de Marco Schultz, querendo dar aulas. Assim veio o Fabio Dipp, ótimo professor, no fluir da corrente ética. O corpo do Gandiva Ashram ia se fortalecendo com naturalidade. Conhecendo a consistência do sadhana do Goura, sugeri-lhe que abrisse uma turma de Hatha Yoga e ele aceitou.
Os alunos amaram.
Em maio, o Goura, junto com o Marcos elias, que cantava e tocava sitar nos Mantras, foram fazer a Formação em Yoga com o Pedro Kupfer e a Camila, em Floripa. Precisávamos de um professor substituto, e o Goura chamou seu amigo Lui Fernandes, neto da Monserrat, muito jovem, como o Goura, e também dono de uma maturidade espiritual que transparece ao primeiro olhar. Cria da grande mestra Monserrat! Veio como substituto e ficou. É o responsável pelo incrível graffite que decora o muro da frente do Ashram. Ao mesmo tempo em que o Goura ia para Floripa, eu recebia outro telefonema: um moço chamado Mirko, que estava mudando de Floripa para Curitiba, e queria praticar Ashtanga comigo. Veio, e observei que sua prática era consistente, lapidada, densa mas leve. Muito especial e rica. Terminou a aula e chamei-o para conversar. Descobri que ele praticara anos com o Marco Schultz, outros tantos com o Pedro e a Camila, e que fizera o curso de Formação deles. Tinha o espírito do Gandiva. Convidei-o para dar aulas de Ashtanga, e ele aceitou. Aprendemos muito com ele.

Acabou que ele ficou com um pé em Curitiba e um Floripa, num vai e vem danado. Pediu para morar na escola, nos dias que ficava em Curitiba, e assim ele foi acolhido com alegria. Então, o Ashram passou a ter um Saddhu!!! Este ano, ele tem vindo um fim-de-semana por mês, para dar um intensivo de Yoga. Mirko, Gandiva também é sua casa, fique conosco!

No meio de 2004, o Goura foi para a Índia, lá ficando por 7 meses. Então, o Marcos Elias pediu se haveria espaço para ele dar aulas de Hatha, e passou a fazer parte da equipe.
Cada vez eu me encantáva mais com a mão divina no perfil do Gandiva, na simplicidade comandando os acontecimentos. O corpo se consolidáva por sí só, como o rio que flui, sereno, seguro. Que Deus nos proteja sempre e fortaleça.

Os alunos que chegam são, cada um, uma pincelada insubstituível no quadro que se transforma na obra-prima da descoberta da existência sempre sendo.

E aí, então, a árvore Gandiva começou a dar frutos. E no Satsanga de encerramento do ano, com o Krucis saudando as divindades, meu coração se abriu para um retorno às Veredas de Minas Gerais, um momento que eu sempre soube que chegaria.

Aqui estou em São João Del Rey, mandando esta história para vocês. Me desculpem se foi longa, mas por aqui a prosa com os amigos é assim mesma.

Convidei o Goura e a Junoeli, aluna e praticante querida, para assumirem minhas turmas e encabeçarem as atividades no Gandiva, agora Gandiva Yoga Ashram. Outra aluna, a Letícia, bastante envolvida com as atividades nossas, é a responsável por este site, que estáva ensaiando para nascer tem algum tempo. A Radharani finalmente veio, abrindo Yoga para gestantes.

E assim vamos seguindo, unidos em Yoga. Refinando as percepções internas através da manutenção meditativa, preparando a receptividade através da prática de Vinyasas, e assim derrubando as fronteiras da realidade improvável.

Estou semeando o Gandiva por aqui, nas vertentes dos campos gerais. Recebo vários e-mails perguntando como está o Gandiva-Veredas. É um processo, sem tempo. Sankalpas brotam e são cutivados. A entrega, o auto-esforço, o auto-estudo de cada dia fazendo o caminho. Estou completando meu sétimo setênio este ano. Espiritualmente, um ano sabático.

HARI OM!
Inês

2018-02-14T12:53:28-03:00 3 de fevereiro de 2015|Categories: Geral|3 Comments

3 Comments

  1. Ana Rosa Tezza 10 de setembro de 2016 at 03:16 - Reply

    Que magnífica e inspiradora sua história . Longa vida a esse lindo trabalho !

  2. Ana Roberta Castro 24 de agosto de 2018 at 16:01 - Reply

    Olá, Inês!

    Que linda e inspiradora história!
    Faço parte de um grupo de famílias que estamos empreendendo uma iniciativa Waldorf em Franca, no interior do estado de São Paulo.

    Conheço as teorias da Euritimaia e de seus benefícios para a criança pequena, relacionados ao fortalecimento de do “EU”, através da realização de movimentos arquetipicos. E acredito também! Contudo, como não é simples encontrar euritimistas…

    Conheço os benefícios da Ioga, experimentados por mim, que com muito pouca prática já me trouxe substanciais mudanças na vida! E sinto que tudo isso tem muito a ver com o fortalecimento do “EU”

    Me questiono se aulas de Ioga para crianças cabem em um jardim Waldorf. Tenho um desejo intimo de introduzi-las em nosso jardim. Mas como justificar isso aos pais, à Federção e a comunidade antroposófica, (que muitas vezes entendem que com a Ioga estaríamos “perdendo a essencia”)?

    Um milhão de obrigadas!

    Roberta

  3. Ana Roberta Castro 24 de agosto de 2018 at 16:01 - Reply

    Olá, Inês!

    Que linda e inspiradora história!
    Eu faço parte de um grupo de famílias que estamos empreendendo uma iniciativa Waldorf em Franca, no interior do estado de São Paulo.

    Conheço as teorias da Euritimaia e de seus benefícios para a criança pequena, relacionados ao fortalecimento de do “EU”, através da realização de movimentos arquetipicos. E acredito também! Contudo, como não é simples encontrar euritimistas…

    Conheço os benefícios da Ioga, experimentados por mim, que com muito pouca prática já me trouxe substanciais mudanças na vida! E sinto que tudo isso tem muito a ver com o fortalecimento do “EU”

    Me questiono se aulas de Ioga para crianças cabem em um jardim Waldorf. Tenho um desejo intimo de introduzi-las em nosso jardim. Mas como justificar isso aos pais, à Federção e a comunidade antroposófica, (que muitas vezes entendem que com a Ioga estaríamos “perdendo a essencia”)?

    Um milhão de obrigadas!

    Roberta

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