O Ayurveda é uma tradição milenar de cura que goza de popularidade crescente em nossa sociedade contemporânea. Esta corrente de sabedoria remonta, comprovadamente, há mais de cinco mil anos de história viva. História viva, pois, durante todos estes séculos e milênios, jamais veio a cair em esquecimento ou desuso. Isto mostra o seu poder enquanto sabedoria de vida tanto para o homem de ontem quanto para o homem de hoje.
Ayurveda significa, literalmente, ciência da vida, e seu pressuposto é o de que é apenas através do conhecimento e do respeito pela sua constituição inata que um indivíduo pode manter-se saudável, alcançar seus objetivos na vida e ter consciência de sua missão no mundo. Esta tradição faz parte dos Vedas, os quais são os tratados de sabedoria da antiga civilização do continente asiático.
Segundo o Dr. Vasant Lad:
Ayurveda é um sistema holístico de medicina surgido na Índia e largamente praticado naquele país. A palavra Ayurveda é um termo sânscrito que significa “ciência da vida”. Ayu significa “vida” ou “modo diário de vida”, e Veda “conhecimento”. Ayurveda foi primeiramente registrada nos Vedas, a mais antiga literatura existente no mundo. Na Índia, esse sistema de cura vem sendo praticado na vida diária por mais de cinco mil anos. (Lad, 1997, p. 19).
Importante, contudo, entender que esta ciência, embora desenvolvida e praticada por um povo em especial, os indianos, não restringe o seu saber às questões culturais particulares destes. Como veremos adiante, o Ayurveda parte de pressupostos universais, porquanto os fundamentos da vida humana são os mesmos, independentes de região, raça ou tradição.
Para entender o Ayurveda, primeiramente precisamos conhecer um pouco sobre a física dos vedas. Isto nos fará compreender os elementos que, uma vez enumerados, são reconhecidos como a composição fundamental deste universo.
Os Cinco Elementos
Segundo a física moderna, o universo é concebido como diferentes formas de manifestação de energia, e até mesmo o que chamamos de matéria, em seus diferentes estados, é energia vibrando em diferentes freqüências. Desta forma, quando os Vedas descrevem os elementos terra, água, fogo, ar e éter, eles não se referem a estes elementos no sentido literal das palavras. Eles representam, contudo, os diferentes estados manifestos da matéria (sólido, líquido, ígneo, gasoso, espaço) bem como os seus atributos. A seguir, vamos entender a manifestação de cada um destes cinco elementos.
Elemento Terra
O elemento terra representa a matéria no seu estado sólido. Manifesta as qualidades de estabilidade, imobilidade, dureza, peso, massa, opacidade, frio e possui forma bem definida.
Elemento Água
O elemento água representa a matéria em seu estado líquido. Manifesta as qualidades de estabilidade, peso, massa e frio, porém diferente do estado sólido, o qual tende a ser duro, imóvel e apresentar forma, os líquidos são menos densos, mais voláteis, macios e não apresentam forma definida.
Elemento Fogo
O elemento fogo representa a energia de calor e luz. Manifesta as qualidades do movimento, da ignição, da leveza e secura, da potência para queimar, consumir, aquecer e iluminar. Uma característica marcante da luz e do calor é a sua irradiação, ou seja, o atributo penetrante.
Elemento Ar
O elemento ar representa a matéria em seu estado gasoso, como vento ou simplesmente como impulso, movimento. Manifesta as qualidades da instabilidade, inquietude, pulsatilidade, leveza, sutileza, secura, adaptação, tendência a subir, flutuar.
Elemento Éter
O elemento éter é o que chamamos de espaço ou vácuo. Consiste no “campo” onde repousam todos os outros elementos e possui os atributos da vastidão, do ilimitado, do amorfo, imóvel e imperceptível.
Segundo Lad:
Os cinco elementos básicos existem em toda matéria. A água fornece o exemplo clássico: o estado sólido da água, o gelo, é uma manifestação do princípio da Terra. O calor latente (Fogo) liquefaz o gelo, manifestando o princípio da Água; e então, finalmente, transforma-se em vapor expressando o princípio do Ar. O vapor desaparece no Éter, ou espaço. Assim, os cinco elementos básicos – Éter, Ar, Fogo, Água e Terra – estão presentes em uma única substância. Todos os cinco originaram-se na energia que flui da Consciência Cósmica; todos os cinco estão presentes em todas as matérias do universo. Portanto energia e matéria são uma só. (Lad, 1997, p. 24).
A Hierarquia dos Elementos
Se observarmos a constituição do planeta Terra, notaremos que a terra (princípio sólido) é o elemento que está sempre mais abaixo, sustentando os demais. A água (princípio líquido), por sua vez, repousa sobre a terra. Já o calor (fogo) transforma água (líquido) em gazes (ar), o qual se eleva sobre a água, e por sua vez o espaço permeia todos estes elementos. Isto significa que há uma diferença de densidade entre estes elementos, os quais, dispostos em seqüência, representam o movimento vertical do sutil ao denso (éter, ar, fogo, água e terra), ou do denso ao sutil (terra, água, fogo, ar e éter). Assim, podemos sugerir que estes cinco elementos são uma mesma energia que se manifesta em diferentes “densidades”.
No corpo humano, que é em si uma repetição do formato do universo, vamos verificar a presença destes mesmos elementos. O corpo físico é formado por componentes sólidos, líquidos, calor, gazes e espaço, os quais se distribuem e se combinam para formar os diferentes tecidos, órgãos e processos fisiológicos. Para complementar, este organismo humano é ainda formado dos três outros elementos mais sutis, que são a mente (faculdade de perceber e sentir), o intelecto (faculdade de discernir) e o ego (princípio de individualidade). Se retomarmos a noção de que o microcosmo é um reflexo do macrocosmo, então entendemos que também o universo possui uma mente, um princípio de inteligência e um princípio de individualidade, ou seja, o universo também é um ser vivo, composto pelos oito elementos, assim como nós que nele habitamos.
A visão do corpo humano segundo o Ayurveda
Segundo o Ayurveda, todo organismo humano é composto dos elementos terra, água, fogo, ar e éter, porém cada corpo é único no que se refere à combinação e proporção destes cinco elementos. Segundo a predominância de um ou outro destes elementos combinados, teremos corpos e mentes de constituições diferentes, com diferentes tendências fisiológicas e diferentes predisposições de humor, temperamento, caráter e personalidade. Em sentido fisiológico, dividimos os cinco elementos no corpo da seguinte maneira:
Éter: no corpo humano há muitos espaços, tais como as cavidades da boca, nariz, trato gastrintestinal, trato respiratório, abdome, tórax, vasos capilares, linfáticos, tecidos e células. Estes espaços presentificam o elemento éter do corpo.
Ar: o espaço em movimento é o que chamamos de ar. No corpo humano, está presente no movimento dos músculos, nas batidas do coração, na expansão e contração dos pulmões, nas contrações do estômago e intestinos. Também a totalidade dos movimentos das células nervosas se deve à presença do elemento ar. Por fim, todos os gases presentes no interior do organismo também presentificam este elemento.
Fogo: se faz presente no metabolismo do corpo, que é a fonte de todo o calor. Concentra-se no sistema digestivo, ativa o funcionamento das retinas e também a inteligência (luz) proveniente das células nervosas. Todo o metabolismo e sistema de enzimas são controlados por este elemento.
Água: presentifica-se nas secreções, sucos digestivos, glândulas salivares, membranas mucosas, plasma (parte líquida do sangue) e citoplasma, além de ser a base dos fluídos sexuais, daí o seu vínculo com a fertilidade e sexualidade.
Terra: presentifica-se nas estruturas sólidas do corpo como os ossos, músculos, tendões, cartilagens, unhas, pele, cabelos e tecidos. (Lad, 1997, p. 24-25).
Da observação de como estes cinco elementos (mahabhutas) se combinam em diferentes proporções no corpo físico, surgiu a tipologia ayurvédica do tridosha, a partir da qual são enumerados três biotipos fundamentais:
1- Biotipo Kapha: caracterizado pelos elementos terra e água predominantes.
2- Biotipo Pitta: caracterizado pelos elementos fogo e água predominantes.
3- Biotipo Vata: caracterizado pelos elementos ar e éter predominantes.
Segundo Lad:
Éter, Ar, Fogo, Água e Terra, os cinco elementos básicos, manifestam-se no corpo humano como três princípios básicos, ou humores, conhecidos por tridosha. A partir dos elementos Éter e Ar, o ar corporal principal chamado vata é manifestado (na terminologia sânscrita esse princípio é denominado vata dosha). Os elementos fogo e água manifestam-se juntos no corpo como o princípio fogo chamado pitta. Os elementos Terra e Água manifestam-se como o humor corporal água, conhecido como kapha. (Lad, 1997, p. 30).
Assim, baseado neste princípio da predominância dos elementos na constituição corpórea, teremos o que chamamos de indivíduos de constituição kapha, pitta ou vata puros, ou ainda indivíduos que apresentam constituição mista tal como kapha-pitta, pitta-vata, vata-kapha ou kapha-pitta-vata.
A importância de compreendermos estas diferentes constituições é porque a partir delas podemos compreender qual a condição específica de equilíbrio ou homeostase para cada biotipo. A proporção inata dos elementos definem o biotipo e a constituição normal sadia do corpo, porém, quando um destes elementos se acentua ou se reduz em relação à esta constituição e equilíbrio inatos, então verificamos uma condição patológica.
Segundo o Ayurveda, a constituição individual é determinada no momento da concepção, quando as características e condições energéticas dos pais se unem para formar as características do embrião. Assim, não só a constituição genética dos pais são determinantes, mas também as condições fisiológicas e energéticas presentes no momento da concepção.
A constituição básica de cada indivíduo é determinada no momento da concepção. Na fertilização, a unidade individual masculina, o espermatozóide, une-se ao elemento individual feminino, o óvulo. No momento dessa união, a constituição do indivíduo é determinada pelas permutações e combinações do ar, fogo e água corporais que se manifestam nos corpos do pai e da mãe. (Lad, 1997, p. 30).
Esta constituição básica permanecerá a mesma durante toda a vida do organismo. Isto condiz com a noção da psicologia corporal, que diz que o temperamento não pode ser modificado, apenas prevenido. Assim, a condição de saúde e equilíbrio de um indivíduo será a manutenção da combinação inata dos elementos em seu organismo. Quando estes elementos entram em desequilíbrio, provocando excessos ou carências em relação à constituição inata, então temos as diversas patologias causadas por excesso de vata, pitta ou kapha.
Compreensão dos três Biotipos (tridosha)
Segue-se aqui uma descrição das características de cada um destes biotipos em sua condição pura:
O biotipo Kapha
Kapha é o resultado da predominância dos elementos terra e água no organismo. Segundo o Ayurveda as pessoas kapha apresentam constituição física de grande porte, com ossos e músculos fortes e tendência a serem mais resistentes e pesadas. Geralmente possuem bastante acúmulo de líquido no corpo, bem como têm a tendência a acumular gorduras e mucosidade. Possuem digestão e metabolismo lentos, mas um forte sistema imunológico.
O indivíduo kapha tende a um temperamento mais pacífico e calmo, são pessoas muito ligadas às emoções e dispostas a se afeiçoarem e se apegarem às pessoas facilmente. Têm tendência a fazer as coisas de forma devagar e possuem muita dificuldade em lidar com mudanças ou períodos de instabilidade. De um modo geral são pessoas mais voltadas para o repouso, não gostam muito de atividade física. Conseguem relaxar e descansar facilmente e tendem a ser mais acomodadas.
Os males que afligem o indivíduo kapha são decorrentes da tendência ao torpor e inércia, bem como aos apegos e indisposição para as mudanças. Ao nível físico, os males giram em torno da tendência a acumular e reter. São males do tipo kapha a depressão, a falta de ânimo e motivação, a obesidade, os níveis altos de gorduras, doenças por acúmulo de muco tais como rinites, sinusites, bronquites e asma.
Psicologicamente, kapha em equilíbrio proporciona tolerância, calma, compreensão, amorosidade e boa memória. Em excesso, pode levar à cobiça, possessividade, apegos e inveja. (Lad, 1997 / Frawley, 1996).
As diretrizes gerais para o equilíbrio de kapha são:
– manter-se ativo
– fazer exercícios físicos (os quais podem ser mais vigorosos)
– ter rotina variada
– evitar alimentos pesados para a digestão
– evitar laticínios, alimentos gordurosos e oleosos
– evitar alimentos e ambientes frios
– usar especiarias, alimentos leves, quentes e secos
– não dormir durante o dia
O biotipo Pitta
Pitta é o resultado da predominância dos elementos fogo e água no organismo. São pessoas de estrutura mediana, com metabolismo ágil e o corpo mais quente do que os demais doshas, por isso tendem a ter excessiva transpiração. Costumam ter a pele e unhas mais rosadas, sentem muita sede e têm grande apetite.
O indivíduo Pitta tende a um temperamento mais explosivo, é bastante ativo e obstinado, ao mesmo tempo muito inteligente e perspicaz. Estas pessoas tendem a ser mais controladoras e têm sede por liderança, geralmente sendo bons oradores. Gostam de atividades físicas, de movimento e de desafios. São mais propensos à raiva, ira, ciúme, obsessão e compulsão, bem como à impulsividade. Tendem a valorizar muito o poder acima dos próprios sentimentos e emoções. Têm mais dificuldade em experimentar a calma e o relaxamento do que os indivíduos kapha.
Os males que afligem o indivíduo Pitta são geralmente aqueles decorrentes do excesso de calor no corpo, tais como inflamações, problemas de pele, problemas gástricos, dores de cabeça e hiper-acidez.
Os males psicológicos são a obsessão, compulsão, impulsividade, raiva, agressividade, excesso de controle. Psicologicamente, Pitta em equilíbrio proporciona coragem, motivação para enfrentar os desafios da vida, inteligência aguçada, foco, senso de justiça e ética. (Lad, 1997 / Frawley, 1996)
As diretrizes gerais para o equilíbrio de pitta são:
– Evitar calor e muita exposição ao sol
– Evitar exercícios físicos extremos (principalmente se exposto ao clima quente)
– Comer alimentos mais refrescantes e crus
– Não ficar sem se alimentar
– Evitar condimentos e picantes
– Evitar alimentos ácidos ou demasiadamente salgados
– Evitar alimentos oleosos
– Evitar estilo de vida competitivo, agitado e super exigente
O biotipo Vata
Vata é o resultado da predominância dos elementos ar e éter no organismo. São pessoas de estrutura magra, costumam ser leves e bastante ativas, muito propensas ao emagrecimento. Têm o sistema imunológico mais frágil que os demais doshas. Possuem a pele mais seca, as articulações menos lubrificadas e pouco calor e reservas de gorduras. Sua sede e apetite são bastante instáveis. São mentalmente bastante estimuláveis, e frequentemente gastam muito mais energia do que possuem, ficando rapidamente cansadas.
O indivíduo vata tende a um temperamento mais ativo e dinâmico, muito comunicativo, curioso e criativo, geralmente são grandes artistas, reformadores e revolucionários. Estão sempre ansiando por inovações, mudanças, gostam do movimento e da transformação. Costumam envolver-se com muitas atividades ao mesmo tempo, porém carecem de determinação e constância para manter estas atividades por longo tempo. A compreensão mental é ágil, porém a memória é curta. Aprendem e esquecem facilmente.
As pessoas vata, embora muito dinâmicas, tendem a ser muito inquietas, agitadas e instáveis. Têm pouca confiança, paciência e tolerância e frequentemente se debelam com os sentimentos de medo, ansiedade e nervosismo. São mais propensas a preocupações e têm muita dificuldade em alcançar relaxamento, paz e estabilidade. Por outro lado, são muito desapegadas, têm pouca preguiça e muita pró-atividade.
Os males que afligem o indivíduo vata são geralmente devido ao excesso de estimulo e movimento. São comuns o stress, a fadiga, a falta de apetite, a preocupação, problemas de tonturas, tremores, hipertensão, mania, síndrome de pânico, medos e insônia. (Lad, 1997 / Frawley, 1996)
As diretrizes gerais para o equilíbrio de vata são:
– evitar o frio e a secura
– manter-se aquecido
– evitar alimentos secos, crus, frios
– comer frequentemente
– preferir alimentos quentes, cozidos, suculentos, oleosos
– ter rotina regular
– evitar excesso de estímulos
– viver em ambientes calmos
– fazer exercícios suaves e calmantes
– manter-se focado
Referências
FRAWLEY, D. Uma visão ayurvédica da mente. São Paulo: editora Pensamento, 1996.
LAD, V. Ayurveda, ciência da autocura. São Paulo: editora Ground, 1997.
LAD, V. The complete book of ayurvedic home remedies. New York: Three Rivers Press 1998.
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